Entrevista exclusiva com Neivia Justa, Top Voice Linkedin 2018 e Fundadora da #JustaCausa

“Quanto mais conseguirmos sensibilizar e conscientizar para garantir a diversidade e inclusão, mais estaremos cumprindo o nosso papel. Transformar a realidade é uma causa de todos nós.”

Foi assim que iniciamos uma entrevista exclusiva com Neivia Justa. LinkedIn Top Voice 2018, com mais de 28 anos de experiência em comunicação e fundadora do #JustaCausa.

A nossa Gerente de Marketing, Milena Alvarez, abordou questões sobre diversidade e inclusão e bateu um papo incrível com a Neivia.

Leia a entrevista na íntegra ou assista ao vídeo abaixo:

Milena: Qual é a chave para que a Diretoria comece a enxergar a diversidade e inclusão como um diferencial estratégico? 

Neivia: Sem diversidade não existe inovação. Consequentemente, a sua empresa não terá um futuro sustentável. Em um ambiente onde todos são muito parecidos, fica difícil surgirem debates e pontos de vista diferentes. 

Com isso, dependendo da natureza do negócio, vocês não conseguirão representar a sociedade para a qual trabalham. Diversidade tem a ver com sustentabilidade de negócio. 

A maioria das posições de alta liderança ainda são ocupadas por homens, semelhantes e excludentes. Por isso, é importante que esses líderes entendam a necessidade de trazer a diversidade para a vida deles, só assim se tornarão líderes inclusivos.

A partir disto, podem usar o seu lugar de poder para transformar a realidade. Tornando isso em algo benéfico, tanto para o negócio, quanto para a vida deles.

Milena: Existe pouca diversidade em cargos de alta gestão. Segundo pesquisa da Forbes, apenas 15% dos cargos de Diretoria nas Empresas Top 20 do mundo, são ocupados pelas minorias raciais. Como a governança corporativa deve mudar para que o pool de candidatos para sucessão de cargos de alta gestão seja mais diverso e inclusivo?

Neivia: Toda empresa tem algum tipo de meta e estratégia. Então, qual estratégia você tem para promover a diversidade e inclusão na sua empresa? Em quanto tempo? Como isso vai impactar a remuneração dos executivos?

Do ponto de vista de governança corporativa, impactar o bônus dos executivos é peça chave nessa mudança. Então, quando isso se tornar uma realidade, o processo de mudança pode acelerar. São pouquíssimas as empresas que já tiveram coragem de fazer isso.

O tema diversidade e inclusão é tratado de uma maneira fragmentada e voluntária. Por isso, ele não está incorporado à estratégia de negócio da empresa.

O trabalho voluntário em uma corporação não é a prioridade. “Eu faço quando tiver tempo, porque isso não está descrito na minha função e não é por isso que serei cobrada”. 

Empresas que operam com esse tipo de projeto de diversidade e inclusão me preocupam. Porque não vão transformar a realidade, não vão tirar ninguém da zona de conforto e não vão sensibilizar ninguém a mudar.

Quando vivemos outra realidade e saímos da zona de conforto, nós começamos a entender que a mudança é necessária. Existe uma tomada de consciência maior quando você é impactado por alguma questão familiar. 

Por exemplo, se você conhece uma pessoa com algum tipo de deficiência, surge maior empatia com a questão. Então, você fica indignado, porque vê alguém que ama muito ser excluído do processo educacional e do mercado de trabalho. Isso faz com que você se sensibilize de fato e sinta a necessidade de agir para transformar

Quando alguém me diz “aqui não tem mulher na liderança, os meus líderes não se sensibilizam, o que você recomenda?” 

Pergunte ao seu CEO se ele tem filha e se já imaginou como será quando ela estiver no mercado de trabalho. 

Ela vai passar por situações de desigualdade e exclusão que nós, mulheres, vivemos no mundo corporativo. Como ele iria se sentir? Isso funciona! É o que eu chamo de hackear o sistema.

Não adianta continuarmos com o discurso de que está mudando e as mulheres estão em todos os lugares. Nós sempre estivemos em todos os lugares. Ainda por cima, temos mais tempo de escolaridade do que os homens, as mulheres estão entrando no mercado. 

A questão não é estar em todos os lugares, mas onde estamos. Então, aonde estão as mulheres nas posições de liderança? 

As coisas mudam de figura quando decidimos ter filhos. Precisamos falar abertamente sobre isso e não fingir que se torna um problema para as empresas. Como as empresas podem mudar isso? Fazendo políticas de benefícios para todos. 

A licença paternidade é para todo tipo de homem, homem trans, homem gay, etc. Ter filho não é uma característica só de mulheres. Se não invertermos isso, esse machismo estrutural não vai mudar.

Os homens se sentem livres e autorizados a tirarem a licença. Com isso, desobriga as mulheres e eliminamos a visão enviesada de profissionais mães. Não adianta só olhar para grupos de afinidades isoladas. Se você faz coisas só para mulheres, você continua excluindo. 

Milena: Quais são os cuidados que as empresas devem tomar para não transformar essa política de diversidade e inclusão em um checklist para cumprir cotas?

Neivia: Tem que ser uma coisa legítima e que venha da liderança. Não acredito nessa transformação de baixo para cima. Até conseguimos alguns resultados, mobilizações, mas não a transformação, porque aprendemos pelo exemplo.

O Rogério Scherer, em sua síntese, fala que você tem que definir, declarar e demonstrar. Por exemplo, eu vejo muitas empresas que definem a estratégia, declaram muito bem em suas campanhas, mas não demonstram. 

Quando você chama um CEO para conversar e debater, ele não tem agenda e direciona ao Diretor/Diretora de Recursos Humanos. Porém, isso não é a tarefa somente do RH, gestão de pessoas é papel de todos na organização.

É papel do CEO liderar e dizer – “Sim, isso é minha prioridade. Eu dedico boa parte do meu tempo para garantir um ambiente inclusivo. E que a diversidade seja uma realidade dentro do nosso time, em todos os níveis”. 

Milena: Como expandir a visão sobre diversidade dentro das empresas? Inclusão de etnias, idade, deficiências, nacionalidade, sexualidade?

Neivia: Acho que a imensa maioria das empresas ainda está presa a quatro tipos de diversidade: gênero, raça, pessoas com deficiência e LGBTQIA+. Para mim a diversidade é tudo, é de etnia, gênero, orientação sexual, nacionalidade, regionalidade, pensamento, formação, idade, etc. 

Eu adoro a frase que diz que a diversidade é a realidade, mas a inclusão é uma escolha. Isso é a realidade, pois eu vejo empresas brasileiras que trabalham a questão de gerações, mas são poucas trabalhando na questão de refugiados. 

Com 50 anos ou mais, você tem um nível de conhecimento, experiência e resiliência que pessoas jovens não têm simplesmente porque não viveram tempo suficiente! Mas, as empresas literalmente abrem mão disso, por puro preconceito. 

Já temos 53 milhões de pessoas com mais de 50 anos no Brasil e teremos 95 milhões de pessoas até 2045. Pois é, todo mundo vai chegar lá.

Além disso, existe um preconceito enorme com as pessoas gordas, ninguém as enxerga e ninguém as contratam. Consequentemente, se continuarem contratando e promovendo para a liderança somente homens brancos, de elite, jovens, magros, sem nenhuma deficiência aparente, heterossexuais e cisgêneros, não vamos muito longe. 

Você pode até desempenhar um papel muito inclusivo e promover a diversidade. Mas, quando você se olha no espelho, é isso que você enxerga? Você demonstra tudo o que fala?

Todos nós somos preconceituosos, racistas, homofóbicos e gordofóbicos. Não tem como não sermos, somos frutos de uma sociedade que é. 

E quem disser o contrário, ou não conhece nada sobre si ou está querendo enganar quem? Nós somos! Você só consegue mudar se trouxer para a consciência.

Como podemos evoluir para sermos cada vez menos, combater isso em nós e nos outros. Transformar a realidade para melhor, mais justa e mais inclusiva para todo mundo?

Uma vez perguntei a um presidente de empresa porque não havia nenhum negro na sua organização. Ele disse que não se candidatam. Então, perguntei se ele realmente acreditava nisso e se ele sabia o porquê deles não se candidatarem. Ele não tinha a resposta. Daí eu disse: sabe porque eles não se candidatam? Vou te dar algumas hipóteses. 

Primeiro, você está procurando no lugar errado. Você não vai encontrar nas escolas de primeira linha pessoas negras e com inglês fluente. Por uma questão histórica e socioeconômica, as pessoas negras estão nas classes mais baixas e têm que trabalhar para estudar. 

Segundo, você não tem nenhum profissional negro na sua empresa. E, mesmo que você tenha e venha de uma escola de primeira com inglês fluente, ele vai achar que aquele não é o seu lugar dele, pois não há ninguém como ele por lá.

Então, pense em como mudar a lente e os critérios pelos quais você está buscando, se você quer de fato trazer diversidade para sua empresa. Senão, fica só na retórica, fica só no discurso. 

Milena: É necessário levar o assunto para as organizações e o RH. Você acredita que a diversidade já é um tema discutido em reunião de diretoria?

Neivia: Não! Este tema entra em pauta somente em empresas multinacionais, pela imposição da matriz para as regionais. Além disso, essas diretrizes não necessariamente fazem sentido para a nossa realidade. Por isso, fica mais fácil apenas cumprir o que a matriz global está pedindo e não construir nada.

As discussões em empresas nacionais ainda são muito incipientes e, quando acontecem, ainda é em tom de conversa. Este processo de transformação cultural só acontece no longo prazo, e nós estamos há alguns anos nesse país sendo pressionados pelo curtíssimo prazo.

Temos uma massa enorme de pessoas fora do mercado formal de trabalho. Empresas tendo que sobreviver em um cenário de instabilidade política e econômica muito grande. Da mesma forma, isso prejudica esse tipo de política, que é de longo prazo e não é a prioridade das empresas. 

Sou muito crítica em relação aos RHs e suas lideranças porque, na maioria das vezes, não defendem de maneira clara o assunto, para influenciar e engajar os seus pares nas organizações. 

O que mais vemos no RH são mulheres e homossexuais, mas os líderes, em sua maioria, são homens brancos e heterossexuais. Quantos profissionais de RH você lembra que são negros? Com algum tipo de deficiência? Quantos são gordos? Quantos são assumidamente LGBTQIA+?

Então, como uma área que não tem diversidade pode ter autoridade para falar sobre diversidade e inclusão? Por exemplo, eu vejo as empresas cada dia mais desumanizadas, cada dia mais hostis e os ambientes corporativos estão doentes.

E cadê a liderança do RH para levar essas conversas para onde elas têm que acontecer de fato? Porque quem faz a empresa, a cultura, a transformação não é processo, nem tecnologia e sim as pessoas! 

Milena: Qual seria a provocação para o RH e para as lideranças, de como começar a tratar desse assunto? Quais são os primeiros passos nessa direção? 

Neivia: Trazer para a consciência e saber que precisar mudar é um passo. Depois, olhe claramente para a cultura da empresa e entenda onde ela precisa ser transformada. Do contrário, não adianta atrair talentos diversos e continuar com um ambiente de trabalho hostil e excludente ao diferente. 

Quando você quer ser um agente de mudança, tem que ter consciência, intenção, vontade, coragem, consistência e muita resiliência. Por outro lado, se não tiver isso, você não vai conseguir.

Tenha a humildade de reconhecer que você não tem todas as respostas e tudo bem, você pode errar e aprender com isso nesse caminhar. Antes de tudo, ouça e entenda de fato qual o papel da diversidade e da inclusão na estratégia da empresa. 

A partir daí, desenvolva um plano com a alta liderança para que ela aprenda sobre isso e dê o exemplo. Assim, você começa um processo de mudança real e sustentável. Antes disso, vai ficar só na retórica.

Eu falo como uma executiva de quase 30 anos de comunicação, com grande reputação no tema e que nos últimos cinco ano vem falando sobre a diversidade e inclusão. Eu sei fazer discurso como ninguém e a narrativa pela narrativa não se sustenta. 

Você tem que demonstrar mesmo, tem que ter verdade, as pessoas têm que sentir a verdade e viver a verdade do que está sendo dito. E no contexto corporativo mais ainda, senão elas vão embora.

Tem que ter propósito e ser de propósito, porque senão não se sustenta.

Diversidade e inclusão: como promover o tema nas lideranças?